À conquista da varanda
Estando todos os mares completamente desbravados, a Taprobana ultrapassada e as Tormentas dobradas, nos tempos que passam restam poucos desafios ao sempre curioso e conquistador povo luso. Como tal havia que descobrir novos espaços para extravasar o ar que nos incha o intrínseco balão da aventura. E onde encontram os actuais portugueses os novos horizontes a alcançar? Nas varandas! Nem mais nem menos, as varandas. É naquelas lajes limitadas no espaço mas ilimitadas nas potencialidades que os nossos compatriotas – e quem sabe o próprio benevolente leitor – acham os infinitos para poderem soltar as amarras das naus da criatividade doméstica.
É vê-los desesperadamente à procura da varanda num qualquer andar a comprar, como quem procura o feito que lhe permita entrar no paraíso aquando a entrevista com S. Pedro. E, depois do crédito aprovado e a mudança assegurada, toca de conquistar tão virgem e desperdiçado (no uso) cubículo, para envagelizá-lo às sagradas aptidões do arrumo e do aproveitamento espacial. Mas qual varanda aberta, qual quê? Para que se deverá respeitar os estúpidos critérios arquitectónicos, quando todos sabemos que as casas já são tão mal projectadas no espaço interior para se poder deitar espaço ao ar “livre”? Não senhores, há que marcar o território com um pelourinho pessoal, e como dá trabalho deitar paredes abaixo (não é uma questão de segurança, é só mesmo uma questão de trabalho) vamos lá a cunhar o edifício com a nossa marquisezinha. É com ela que nos podemos impor no selvagem mundo urbano, nas selvas de betão. É ali que finalmente poderemos exercitar os genes da conquista e do povoamento.
Não há cores nem materiais, cada um usa o que quer – é assim, como há seis séculos – para ordenar e mostrar a sua conquista. Depois é só povoar a nova nação “marquiseira” com os inevitáveis electrodomésticos “de lavar”; os estendais de parede e os armários “da ferramenta” e “dos sapatos”. Ah, ainda falta um ou dois vasinhos e a gaiola dos passarinhos para dar alguma “liberdade natural” ao lugar (senão corre-se o risco de ficar tudo “muito fechado”).
E assim se vão pontilhando as fachadas dos nossos edifícios, numa corrente que poderia até suscitar uma nova ciência etérea: a marquizologia. Sim, porque a marquise de cada um diz muito acerca da sua personalidade. E a ausência desta ainda diz mais. Ensaiemos:
- varanda aberta: alguém que é um conformado com o que tem, sem ambição nem espírito aventureiro, enfim, um resignado; por outro lado, pode ser também alguém que gosta de ter um bocadinho de “rua” em casa, que o permita libertar-se das más energias que se vão acumulando na clausura do lar;
- vidros foscos ou martelados: personalidade ambígua e reservada que gosta de luz mas não gosta de mostrar, indivíduo de afirmação dúbia; ou também poderá ser alguém que, respeitando o próximo (ao não mostrar a sua intimidade), gosta de ser respeitado (pelos mesmos motivos);
- estruturas em alumínio colorido: indivíduo leve e alegre;Etc. etc. (para mais consultas de marquizologia, é enviar um mail para o endereço ao lado, juntamente com a morada para onde enviar a factura dos simbólicos honorários)
Eu só não entendo uma coisa; ao fim de tantos anos de varandas fechadas, porque é que o crédito à habitação, ou a celebração do acto de escritura, não inclui um “kit marquise”? Isto sim, seria uma operação de marketing lógica e útil, para além de ser um exemplo de serviço público e o assumir de uma instituição cultural do nosso país e das nossas gentes.