sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Que (grande) porcaria

Antes de mais, o (grande) refere-se unicamente ao tamanho do texto, não tem nada a ver com o conteúdo – não estou aqui para enganar ninguém, desistam enquanto podem. Para quem teima em continuar, o texto começa já a seguir, no primeiro parágrafo como de costume

Sempre que saio da paisagem e vou dormir a Portugal (entenda-se saio de Portugal e durmo em Lisboa) Eu instalo-me num número de uma dada rua ali no centro dessa magnifica metrópole. É uma rua pacata, sossegada e familiar até.
E o que me trouxe hoje até vós é que ultimamente - acho que esta observação coincide com o desenrolar das últimas eleições autárquicas – denoto uma grave perturbação ao normal desenvolvimento da vida social daquela micro-comunidade e dos que por ali gravitam ocasional, periódica e habitualmente.
Não, não estou a apontar para o estacionamento furtivo, que isso ali é um chão que agora está a dar uvas para os homenzinhos verdes desse planeta estranho, amistoso ou nem por isso (ainda está por provar), o EMEL - também no resto da cidade já não é um problema, é uma imagem, não de marca mas que marca (marca as canelas daqueles que estupidamente insistem em caminhar pelos passeios). Todavia não é sobre isso que vos estou a fazer perder o tempo do vosso patrão (expressão vilmente roubada a esse vulto da sátira blogueira, o manda-chuva), apesar do centro da vossa curiosidade também ocupar os passeios. Contudo não é automóvel, ou por outra não é auto, porque móvel fica depois de se fundir com as solas dos sapatos…
Mas vamos por partes a ver se nos entendemos (vocês, porque Eu já sei o que vou escrever e como o vou fazer).Ultimamente, tentava Eu iniciar a exposição antes de começar a divagar (ou a devagar - aí trocadilho!) como está a acontecer agora, assisto a uma mudança de hábitos que veio confundir toda a gente: os serviços camarários resolveram lavar os passeios todas as noites. Ora isto faz com que as diferentes formas de cocó caninas, no tamanho e na origem – este é o verdadeiro tema central do texto, finalmente – não existam pela manhã; dividam a ocupação com as pedras da calçada no pós-almoço; e só depois do jantar praticamente revistam toda a área pedonal. E é precisamente aqui que bate o ponto porque, se no antigamente esta última era a situação normal ao longo de todo o dia - (com licença) merda por todo o lado -, o que fazia com que os transeuntes circulassem sem a dúvida da agressão a um dos ditos montinhos - era inevitável -, agora a evolução do estigma ao longo das horas conturba a caminhada. Nunca se sabe o que, como e onde se vai encontrar. Os ditos desarranjos, digamos, que desarranjam o anterior arranjo do passo.
“Mas isso é errado?”, claro que é.
Primeiro porque, recorrendo a um conceito caro ao grande estudioso e professor de urbanismo Kevin Lynch, apaga-se uma referência da cidade – ex. ao chegar ao destino com os pés enfeitados de consistência, cor e cheiro, qualquer pessoa demonstrava que tinha passado por aquela rua, servindo até como um bom catalizador de conversa:- iiichh, hoje vieste a pé e pela rua tal
- iiichh, hoje vieste a pé e pela rua tal
- pois foi, e tu não lavaste os dentes, nem o teu cônjuge lavou…(e por aí além);
Segundo e mais grave, a falta de confiança no espezinhar certo e certeiro da “pasta canina” força os pedestres a olharem constantemente para o chão, e pior, leva-os a andarem aos saltinhos em bicos de pés – o que se acentua à medida que o dia fecha - como se atravessassem um rio infestado de jacarés, quando dantes o faziam confiantes e em passos seguros, no pré e no pós esborracho. Agora, ainda para mais, fazem caretas e praguejam. Ridículos! Como se pode esquecer assim, em tão pouco tempo, a identidade duma rua.
O que é mais revoltante é que os moradores-donos não têm culpa nenhuma neste cartório; eles continuam a alimentar zelosamente os seus canídeos e a facultarem-lhes, com o mesmo zelo (ou mais ainda) o despejo nos passeios dia após dia, durante todas as horas. Como dantes.
Os limpa-município é que vieram baralhar o esquema todo, com os seus coletes reflectores e as mangueiras saneantes. Que não se acerquem responsabilidades aos residentes, hã. Nem aos donos nem aos possuídos.
Carmona, como sei que me estás a ler, vê lá se tratas disto. Não te deixes levar por tendências de asseio, pensa também nos donos e nos cães. É injusto tanto esforço (não só canino-rectal, como a subir e descer elevadores e escadas) ser lavado todos os dias por essa água contra-laxante. É que se está a lavar a cultura e os hábitos de todo um nicho lisboeta que também merece ser respeitado.
Pensa lá nisso, está bem?

claro no escuro