segunda-feira, fevereiro 06, 2006

100

Imagem
Parece que já ouvi isto num lado qualquer. O sexo é como nadar: nunca se esquece, mas aperfeiçoa-se a técnica. De um lado do autocarro, há dois bancos. Um homem vai sentado no banco do lado da janela. A cabeça tomba ao ritmo das ruas esburacadas. Tem a boca semiaberta e percebe-se, daqui, que está a dormir profundamente. Faz algum ruído pelo nariz. No lado oposto, está uma velhota com três sacos de plástico do Minipreço. Enfiou todos entre o banco e vidro que a separa da porta. É um milagre se conseguir sair dali. Em pé, um miúdo de olhar perdido, sujo, abraça-se ao ferro como se... poderia dizer como se se agarrasse a uma mãe que não teve, mas corria o risco de estar a ser injusta. Não se deve confundir uma mãe com um cansaço vespertino. No banco de trás, o lá do fundo, um casal de adolescentes discute aos berros. Ela diz-lhe que está farta, a mesma conversa de sempre, está farta de ser preterida pelos amigos, de ficar em casa à espera que regresse à noite, para um beijo de despedida no vão da escada. Diz que não é nenhuma puta, nem nenhuma freira. "Eu dou-te o que tu precisas", diz o rapaz que parece um velho já, desdentado e com a cara feita num bolo. Entretanto, o rapaz que vai abraçado e perdido no ferro onde está o botão de parar parece que regressa lá do fundo de onde se encontra. É despertado pelos gritos. Não somos todos? Ri-se, provocador. O velho/novo/que passa as noites entre os amigos e os vãos de escadas levanta-se e grita para o meio do autocarro: "Estás a rir-te de quê, meu palhaço?", "Vai para o caralho. Estou a rir-me de ti, meu paneleiro de merda. Nem consegues dar à miúda aquilo que ela precisa", "Não dou à miúda, mas posso dar-te a ti, parece que tu é que queres levar com ele". A miúda ri-se. EStou nervosa, mas expectante, atenta. "Pergunta-lhe quem é que ela escolheria se pudesse e não estivesses aqui", "Escolhia-me a mim, não escolhias (olha para ela)?". Toco no botão para sair na próxima paragem. A miúda levanta-se e derrama um dos sacos da velha que estava sentada, manda a mochila para cima do velho que dormia como um anjo de boca aberta, acordando-o, segura na mão do miúdo sujo e de olhar absorto lá para os confins do outro hemisfério e saltam do autocarro mal a porta se abre. Fogem os dois a correr. Eu saio também. O outro tipo sai a correr e tropeça em mim. Cai. Ajudo-o a levantar-se. Está a chorar. Olha para mim e diz: "As mulheres são todas umas putas, não são?"

Diotima

1 Comments:

At terça-feira, 07 fevereiro, 2006, Blogger A Bela e o Monstro said...

Está muito bonito. Obrigada.

 

Enviar um comentário

<< Home