quarta-feira, março 15, 2006

Quarta (raio me parta) - convidado: eu (com "e" e não com "E")

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Alguma vez isto tinha de acontecer... O que se passa é o seguinte: infelizmente não sou só Eu que mando aqui - também eu tenho opinião, e uma das coisas que eu impus foi que queria ser um convidado nestas coisas (não mEu, mas meu, aproveitando o espaço para vaguear um pouco na escrita). Foi isto que surgiu dessa experiência, espero que gostem, e Eu quero desde já desculpar-me por pôr no mesmo saco eu e os mEus convidados, mas não tive mesmo escolha – ou punha o meu texto aqui ou não o publicava de todo (e eu não queria isso).

Aproveito para dizer que esta “temporada” de convidados acaba aqui – ficaste em último que te lixaste! – mas espero poder voltar com novos parceiros da esfera (assim haja tempo para os convites seguirem). Muito obrigado a todos os que participaram (quem escreveu, leu e comentou) nesta série; da minha parte foi algo de muito inspirador (o resto fui dizendo ao longo do processo, e é tudo verdade).

(agora se alguém quer mesmo arriscar, é ler o que está em baixo; mas dêem um descontozito, que eu sou um bocado chato, digo Eu)

coisas da Vida

Vida é uma prostituta de meia-idade que estou acostumado a ver passar - ou melhor, eu é que passo por ela - à beira dos mais variados caminhos e estradas. Desde de que tenho noção de mim, tenho ouvido insultos, elogios, indiferenças e devoções extremas quando a tentam descrever, apesar disso, com o tempo e com a rotina das passagens fui-me habituando a guardar dela uma imagem interessantemente imponente, ainda que algo desgrenhada e por vezes monótona…

Um destes dias parei e resolvi aproximar-me; não para usufruir dos seus prazeres, tão simplesmente para tentar conhecê-la um pouco para além daquilo que me parece ser. Acedeu à minha curiosidade sem hesitar. Estranhou tal desinteresse no deleite, mas acedeu conceder-me um pouco de si (a troco de algo, que, como me fez questão de vincar, referindo-se a si própria na terceira pessoa "Não se leva nada da Vida sem dar algo em troca").

Foi no mínimo enriquecedor. Respondeu às questões com que a interpolava, sempre de forma sábia e sucinta"Posso ser o que quiser" fez saber "Contudo, mantenho-me nesta actividade porque acho ser a que melhor caracteriza o meu comportamento. Acabo por não me mostrar completamente a quem me usa; cobro sempre o que me fazem e o que faço; e quando quero descanso e limito-me a ver o tempo desgastar-me"

O meu deslumbramento irradiava cada vez mais, à medida que ela se mostrava e eu a descobria, e às tantas, no meio daqueles ensinamentos incessantes com que me alimentava a alma, perguntei-lhe se não a consumia o facto de ser constantemente injuriada e incompreendida. Sorriu-me tranquilamente, refugiou-se num esgar mais travado pela timidez, e lá me satisfez a curiosidade "Não, e sabes porquê? Porque tenho muitos filhos, e infelizmente não vou conseguindo tratar todos da mesma forma. Confesso até que tenho sido injusta para alguns, e lamento o mal que lhes posso causar, mas também, se uns não têm culpa de serem filhos da Vida, muitos são os que me chamam puta e merecem ter uma mãe assim. Há coisas que dependem de cada um; a culpa não é só minha, alguns, se não se dão melhor comigo é porque não querem, e não porque não podem. E depois destratam-me e maltratam-me. Em relação aos outros...lamento, como disse, mas a justiça não é um dos meus valores mais queridos." E continuou de seguida com um brilho mais alegre e orgulhoso "Mas olha que também há muita gente satisfeita, há sim senhor! Principalmente a clientela - e até são bastante mais - há quem se orgulhe de me conhecer e de me ter experimentado. Pagam, por vezes preços demasiado elevados, mas voltam satisfeitos; e desses é que eu gosto. Quer dizer, gosto de todos, mas os que me valorizam recebem mais de mim, naturalmente"

Não pude (nem posso) deixar de ficar inebriado com tamanha disponibilidade e, por mim, continuava ali parado a contemplar a Vida e a entranhar tudo o que via e ouvia, porém, antes que as dúvidas me continuassem a sair da boca, e vendo todo o meu entusiasmo desmesurado, olhou-me cá para dentro dos olhos, e soprou-me até ao coração “Calma, não queiras saber tudo de uma vez. Tens tempo, e eu também. Ainda havemos de nos encontrar muitas vezes, não me tentes conhecer tão depressa. Verás que se souberes de mim aos poucos conseguirás compreender-me melhor e sem precipitações de julgamento…” Acatei sem reservas, porque apesar de ainda a conhecer tão superficialmente, de alguma maneira confio nela, e posso dizer que para mim, nesta breve experiência, a Vida foi uma amiga - e espero que continue a ser, que eu vou voltar. Sempre

claro no escuro