sexta-feira, fevereiro 24, 2006

De enfiada

Ontem, após uma overdose de música, fixei as traves de madeira do meu tecto, a sentir-me peixe em mar de som. Antes, tinha lido nas notas de um CD, que no tempo de Mozart se tinha acesso, com sorte, até à música produzida pelos bisavós. Lembrei-me de Bach ( que agora só se diz Bach ) João Sebastião, que viveu e morreu músico menor, superado e até ridicularizado pelos próprios filhos ( quem os conhece, agora? ) Eu tenho umas cordas de um deles, e comprei por engano ( e são muito, muito boas ); isto porque me deu na real gana de pôr a minha Sonizinha ( c’est son petit nom ) a trabalhar nuns razoáveis 34 ( max. 35 ) e por a minha barraca de chão de cimento e tecto de madeira centenária a vibrar com tudo o que me surgisse. Não sei bem onde começou o frenesim; sopunho que com uns blues de Enapá 2000, seguido de Eric Clapton & The Yardbirds, depois mais um blu da Nina Simone ( Backlash Blues to be precise ), segui para a Georgia na Mind no Rei Carlos, fui até à Jamaica com o Bob a cantar já não sei quê, Amstronguizei com um Wonderful World, fui até ao Brasil onde Caetano rezou um Drão, e depois cuspiu um Navio Negreiro ( que é uma obra prima tão intensa que faz sangrar pedras das mãos ). E andei por Amália a trovar o tempo que passa, por Paredes a dançar português, a Maria João apareceu com o Rafael, Piazzolla entangome com o Libertango e Buenos Aires Hora Zero; Gardel meteu umas Colondrinas. Em Sud América, Chico cantou-me a faixa 3 das Cidades ( aquela que Diz: Em Lisboa, faz algazarra a malta em meu Castelo ); com tanto som, fui aos Paralamas do Sucesso e ouvi óculos, para mudar de ponto de vista; ainda tinha ouvido antes Zeca Pagodinho cantar a lama das ruas, depois de enfiada pus-me a ouvir Gil acústico e um copo de água deslumbrante pôs-me calmo. Há, e houve ainda Schubert tocado pela outra Maria João, e Um Hino à Alegria do Imortal Surdo ( quem ainda fica surdo sou eu ). Isto durou horas. Mas foi bom. Faço isto por vezes, correr músicas ao sabor do apetite que a que toca dá, uma espécie de tricotar som e palavra, uma opera de papel em que o meu papel é de maestro e ouvinte. Isto tudo porque me senti rico de música e me apeteceu esbanjar. De enfiada.

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1 Comments:

At sexta-feira, 24 fevereiro, 2006, Blogger paulo said...

É, a música por vezes provoca ecos. Abraço.

 

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